Sementes do Incid

 

A Proposta Ibase de Indicadores de Cidadania sempre foi a de um olhar da perspectiva da Cidadania Ativa sobre o “estado” dos direitos humanos, entendidos como direitos de cidadania. Para isso, o desafio metodológico e político foi ser um Sistema de Indicadores que subsidiasse a educação cidadã, numa perspectiva de fortalecimento da cultura democrática dos direitos e responsabilidades cidadãs. Apesar de sempre atentar para o objetivo de produzir indicadores facilmente apropriados por organizações e movimentos sociais, muitas vezes o Incid foi surpreendido pela própria Cidadania Ativa. Hoje, grande parte das produções são fomentadas pelas Redes de Cidadania Ativa. Para grande parte da equipe de campo do Incid, esse é um momento de continuidade, não de retirada.

12472305_1027224114009612_3451907581871061955_n

“A sensação que tenho é a de que o projeto só assumiu uma nova fase. Nós tivemos muita pesquisa de dados na primeira fase, na segunda tivemos o contato direto com a Cidadania Ativa e hoje ela se faz Incid. Hoje os indicadores são produzidos por eles, novos indicadores em forma de mapas se tornam ferramentas de lutas, que são fomentos para políticas públicas. E nós continuamos produzindo isso com eles, porque também somos parte desse território. É uma sensação de pertencimento de um Sistema que antes parecia tão complicado e hoje, é parte de nós. O Incid ajudou no fortalecimento dos laços entre as instituições, organizou nossas lutas. O processo de formação e construção dos Cadernos Municipais foi muito importante para instrumentalizar a Cidadania Ativa. Nos ajudou a criar uma identidade coletiva, que colabora muito na garantia dos direitos. E uma das consequências disso, é a criação da União das Associações de Moradores de Teresópolis, uma proposta que surgiu da Rede de Cidadania Ativa de Teresópolis e que tem tudo para ser positivo”, contou Manuela Amaral, supervisora de campo.

Sob a perspectiva de criar, sobretudo, indicadores que permitissem qualificar reivindicações e lutas, a fim de fortalecer a participação e a pressão por políticas públicas, o Incid atingiu seu objetivo. Uma grande realização do projeto está na franca ampliação da legitimação da proposta dos Indicadores de Cidadania no território trabalhado e, como decorrência, um uso efetivo do Sistema pelas Redes e pela gestão pública, através da participação em diversos Encontros, Fóruns e Conferências. Isso demonstra que o Incid segue com êxito seu processo de enraizamento, não somente junto as Redes de Cidadania Ativas Municipais, mas também em diversos espaços políticos municipais.

Para exemplificar o processo, é possível citar o município de Nova Friburgo, onde o Incid foi convidado a participar das reuniões da Comissão Organizadora da IV Conferência Municipal de Educação, cujo objetivo era atualizar o Plano Municipal de Educação (com aplicação para um período de 10 anos). Durante a Conferência a equipe Incid participou dos Grupos de Trabalho, apresentando os Indicadores que serviram como base para as discussões em cada um dos grupos. Além dos subsídios fornecidos às discussões, a equipe realizou intervenções com base nos dados os dados durante a plenária. Para essa atividade, alguns indicadores foram atualizados com dados intramunicipais. Esta iniciativa foi de grande valia também para a própria RCA de Nova Friburgo, pois os integrantes puderam observar a efetiva e concreta utilização dos Indicadores de Cidadania apresentados pelo Incid. De acordo com a equipe, a ação reforçou o sentimento de pertencimento da Rede de Cidadania, o que trouxe à tona a discussão sobre a necessidade de articulação entre os movimentos sociais dos municípios. Também houve participação do Incid na XII Conferência Municipal de Assistência Social de Nova Friburgo, onde a equipe local realizou uma palestra na abertura do evento e colaborou durante as discussões nos grupos de debate. Os indicadores e mapas do Incid foram usados também para subsidiar os debates durante a Conferência Municipal de Políticas Públicas para Mulher de São Gonçalo; a Conferência Municipal de Políticas Públicas para Mulher de Guapimirim; e a Conferência Intermunicipal de Políticas Públicas para as Mulheres (abrangendo municípios de Teresópolis, Nova Friburgo, Petrópolis e Bom Jardim) realizada em Teresópolis.

O Incid participou também do V Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários, em Juiz de Fora, e da Reunião da Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro, dois encontros onde projeto foi apresentado com enfoque
no Mapa de Direito à Cultura. Também participou na V Jornada de Estudos de Gênero do NUDERG/UERJ na sessão sobre  “Movimentos Sociais, Direito e Empoderamento”. A atuação do Incid em dois municípios da região serrana atingidos pelos desastres socioambientais de 2011 resultou no convite para apresentar o Projeto no Seminário Internacional – Desnaturalização dos Desastres e Mobilização Comunitária: novo regime de produção de saber. O reconhecimento da proposta de indicadores de cidadania tem gerado o convite para participação das Redes de Cidadania Ativa e do projeto em diferentes espaços de mobilização

A equipe Incid também participou da Conferência de Políticas para as Mulheres, em Teresópolis, onde foi convidada a falar sobre a construção participativa do Indicador em formato de Mapa do Direito à Vida Segura das Mulheres e sua função para o fortalecimento da Cidadania.  Em Guapimirim, a Rede foi convidada a apresentar os Indicadores de Direito à Educação para a Secretaria Municipal, que decidiu por utilizá-los como base para a Construção do Plano Municipal de Educação. Desde então, a articuladora local compõe a Comissão Municipal de Educação. Durante a IV Conferência de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa de Itaboraí, a Rede de Cidadania Ativa participou ativamente na discussão sobre participação social e o destino de verbas aos Conselhos.

Novos passos das RCAs

redes-de-cidadia-ativa-v03

Na construção participativa de “Indicadores-Mapas” – processo denominado no projeto como “Mapas da Cidadania”, por exemplo, foram desenvolvidas propostas, a partir das necessidades para a ação políticas de cada território, apresentadas pela Cidadania Ativa. Quando se iniciou a construção dos mapas, atendendo a uma demanda da Cidadania Ativa na primeira etapa do Projeto, foram apresentadas propostas de avaliação dos direitos à educação, saúde, cultura, vida segura das mulheres, participação e ação cidadã e direito à mobilidade. Após esta etapa de construção participativa de cunho formativo, algumas redes já iniciam sua produção autônoma dos Mapas da Cidadania de outros direitos de interesse: Entraves da Agricultura Familiar, produzido pela RCA de Casimiro de Abreu; Mapa de Direito das Juventudes, realizado nos municípios de Itaboraí, São Gonçalo, Niterói e Maricá; de Justiça Ambiental, em Saquarema, entre outros. Grande parte desse processo se deve à instrumentalização que o Incid proporcionou às RCAs.

Com exemplos como o da Rede de Cidadania Ativa – RCA de Guapimirim, que diferente de todos os outros municípios, fomentou um debate sobre transparência municipal solicitando ao projeto fosse realizada uma capacitação sobre o Indicador de Transparência para que toda a Rede pudesse discutir esse assunto no município.  “Foi uma etapa muito importante do projeto, porque podemos perceber que aquilo era importante para a rede. Enquanto outros municípios seguiam avaliando os direitos mais comuns junto ao projeto, Guapimirim bancou aquilo que acreditavam que era importante conhecer, naquele momento. Isso foi uma surpresa muito boa, pois eles já conseguiam visualizar o indicador enquanto ferramenta de luta”, contou Monick Dallia, articuladora de Guapimirim.

Em Nova Friburgo, motivada pelo impulso de solidariedade oriundo do evento climático de 2011, que evidenciou mais do que uma tragédia ambiental uma tragédia sócio-política, a sociedade civil vem se articulando e consolidando, inspirados na motivação da resiliência, renovação, reconstrução, em torno de sua Rede de Cidadania Ativa Municipal. Neste sentido esta RCA vem canalizando a organização de algumas ações concretas. O Conselho Municipal de Políticas Culturais, por exemplo, tem participado das reuniões da Rede e solicitou explicitamente o apoio da RCA para a elaboração de um Mapa do Direito à Cultura de Nova Friburgo. Fruto da realização dos Ateliês de Comunicação, também vem sendo debatida a ideia de criação de um Centro Audiovisual para atender as necessidades de comunicação da Rede no município.

Para a supervisora de campo, Bruna Lassé, além da importância que há na produção autônoma dos indicadores, alguns temas também são mobilizadores para atrair novas/os componentes para as redes e suas lutas. “Dentre todos os mapas construídos, identifico os Mapas das Juventudes entre os que possuem a maior possibilidade de mobilização da sociedade civil não organizada, pois tocam em uma  questão que está em pauta nas grandes mobilizações realizadas no país, que é a ameaça à vida segura das juventudes. Principalmente da juventude negra. As mobilizações para sua construção ocorreram exclusivamente a partir das Redes de Cidadania Ativa e de jovens não organizadas/os nas cidades da AAI, em que a demanda por este mapa foi levantada. Foram reuniões muito ricas onde conseguimos construir mapas que demonstram com clareza o perfil de juventude que tem seus direitos mais violados. Construir estes últimos mapas trouxe, para as Redes e para o Fórum de Cidadania Ativa, mais gás para a continuidade da luta por direitos, o que significa que sementes foram plantadas e que grandes oportunidades de crescimento podem surgir a partir da presença ativa das juventudes”, contou.

Além do Mapa de Juventudes, a Rede de Itaboraí vem desenvolvendo atividades de comunicação com os equipamentos fornecidos pelo Incid e pensa em formas diferenciadas de desdobramentos dos Mapas da Cidadania. Dentro do planejamento estabelecido pela rede, já foram produzidos roteiros de apresentações públicas destes materiais.

Já os próximos passos da Rede de São Gonçalo preveem a necessidade da construção dos Mapas da Cidadania dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Mapa do Direito ao Trabalho e Renda, voltado especificamente para denunciar desigualdades raciais e de gênero.

Segundo o supervisor Robson Aguiar, o desenvolvimento do mapa dos Entraves da Agricultura Familiar alterou a organicidade da RCA de Casimiro de Abreu, pois está sendo desenvolvido em conjunto com os agricultores de Silva Jardim. Este novo Indicador-Mapa tem uma identificação grande com os militantes urbanos, pois surge como uma demanda do território e não apenas de uma parte da sociedade civil organizada. “Existe um reconhecimento por parte dos trabalhadores/as rurais sobre a necessidade de uma formulação do desenvolvimento da agricultura familiar como parte de um conjunto de políticas públicas específicas, ao mesmo tempo em que este também é um direito. Neste sentido, para eles, é fundamental que as lideranças rurais reconheçam que é possível a sistematização de suas diferentes ações para o desenvolvimento da agricultura, através dos indicadores de cidadania”, contou o supervisor de campo.

Entendendo como parte do diagnóstico do estado do Direito à Saúde, a RCA de Magé pretende, a partir de indicadores de Cidadania do Sistema Incid  construir o Mapa do Direito ao Saneamento Básico, com vistas a evidenciar as ausências do saneamento básico no município. Já a RCA de Niterói pactuou a construção de seis indicadores, definidos como discussões coletivas prioritárias. Três indicadores novos em formato de Mapas e outros três indicadores do Sistema Incid, a serem reconstruídos em formato intramunicipal. A Rede de Cidadania Ativa de Saquarema identificou que o município tem sofrido com conflitos relacionados à seca da Lagoa de Jacarepiá e do Rio Roncador, com a construção da Barra Franca e com queimadas. Deste modo, já se encontra pactuado pela Rede, como uma próxima ação a ser também desenvolvida coletivamente, a construção do Mapa da Justiça Ambiental.

Para o professor Napoleão Miranda, um dos pontos mais positivos do projeto foram os meios utilizados para que a Cidadania Ativa se apropriasse das ferramentas do Incid e hoje possa se entender parte desse processo. “Eu me sinto imensamente feliz por ter participado desse projeto, mesmo que de forma muito distante, com o Grupo de Referência Técnico Científico, pois é bom ver a mudança e a incorporação dessas pessoas e até da própria equipe. Muitas vezes importou menos o caráter metodológico e pedagógico do projeto, e sobressaiu sua importância como instrumento de lutas – como a criação do Indicador de Transparência, que não estava previsto, mas que era importante para a Rede de Cidadania Ativa de Guapimirim fomentar debates no município”, contou Napoleão, que acredita que o trabalho conjunto ao Poder Público possa ser uma possibilidade de utilização desses indicadores. “É possível perceber como as pessoas passaram a olhar para a sua realidade de forma diferenciada. E acredito que a próxima etapa do processo será a de mudança dessa realidade. Talvez a administração municipal possa deixar de ser um grande inimigo e passar a ser alguém com quem desejamos trabalhar”, disse.

Sobre a mudança no olhar dos participantes e de toda equipe Incid, a articuladora Lália Barros, afirma que hoje pode falar com muito mais propriedade e identificação de seu município.  “Com toda certeza, não sou mais a mesma pessoa de quando entrei para a equipe Incid. Aprendi tanta coisa nesse projeto e sou muito grata por isso. Os Ateliês de Comunicação foram um processo incrível. Ter a possibilidade de construir uma comunicação mais digna, mais humana e participativa foi uma oportunidade única. Meu relacionamento com meu município, meu território, minha história, é outro agora. Hoje tenho a possibilidade de falar e produzir dados sobre minha própria realidade, fortalecendo as lutas coletivas”, contou.

Apesar do término desta etapa do projeto Incid, a apropriação e utilização é o nível politicamente essencial na legitimação dos indicadores de cidadania. Afinal, os indicadores de cidadania são pensados para serem utilizados pelas próprias organizações para formular suas propostas e demandas e para planejar suas ações de cidadania. O Fórum de Cidadania Ativa, atuando na forma de rede de organizações locais, já é uma realidade e esse é o suporte indispensável da legitimação do sistema. Sua ampla utilização ao final desta segunda etapa é o melhor indicador disto. Pois, de nada vale um bom sistema de indicadores de cidadania se ele não for capaz de ser o olhar qualificado dos que através dele são avaliados, suas situações locais são avaliadas, bem como suas organizações e lutas, seus governantes, seu território, enfim, como território de cidadania. Tudo pela democratização substantiva e maior sustentabilidade de uma sociedade local democrática.

Rede de Cidadania Ativa, em Itaboraí.

Rede de Cidadania Ativa, em Itaboraí.