Você já sofreu ou foi tratado/a diferente por causa da cor da sua pele?

Por Carolina de Freitas Pereira, pesquisadora do Incid/Ibase

Na pesquisa de opinião sobre percepção cidadã realizada pelo Ibase no contexto do projeto Indicadores de Cidadania (Incid), 29% das pessoas que se definiram pretas e 44% dos que se consideram pardo/as responderam sim a questão. Isso quer dizer que 73% dos negro/as entrevistado/as reconhecem já terem sofrido algum tipo de preconceito ou discriminação motivados pela cor da sua pele.

Bandeira antiga do movimento negro, a existência do racismo como pauta traz à tona situações de violação de direitos e a possibilidade de recriarmos os contornos e o recheio dessa história. A luta dos negro/as tem vários sentidos: ganhar visibilidade e protagonismo, invenção de direitos a partir de seus territórios e identidades, redistribuição e igualdade de acesso a recursos materiais, legitimidade de diferenças e identidades culturais (modo de viver e de existir). Da ocultação do racismo sob o manto do mito da democracia racial ao reconhecimento público da existência do preconceito e da discriminação muito já avançamos, mas nosso horizonte é tecido com fios de igualdade e respeito à diferença e à diversidade e por isso continuamos na caminhada rumo a algo novo, ainda não desenhado, para deixar claro que a empreitada é difícil.

Alguns passos importantes foram dados. As reivindicações dos povos negros no Brasil fazem-se sensivelmente perceptíveis em escala nacional na década de 80. A partir desse momento, mais do que seu valor enquanto ser fundador da entidade nacional (partindo de um pensamento do território nacional enquanto unidade sócio-espacial), a importância dos negro/as no quadro da diversidade cultural e territorial passa a ser considerada no campo da política de Estado.

Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 88 reconhecem direitos culturais, o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórios (ADCT) reconhece direitos territoriais, a lei 10.639 de 2003 estabelece as diretrizes e bases para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, a lei 12.288 de 2010 institui o Estatuto da Igualdade Racial. Há ainda um enumerado de outras leis, decretos, portarias e instruções normativas que versam sobre direitos legalmente reconhecidos aos negro/as.

O percurso parece longo… No caso brasileiro, à raça enquanto estigma da inferioridade somam-se problemas de classe. Dificuldades no acesso à bens, serviços, mercado de trabalho e segurança são alguns dos mecanismos que operam na reprodução da desigualdade de oportunidades sociais, econômicas e culturais quando comparamos a vida de branco/as e negro/as em geral. Exemplos não faltam. No caso da área do Incid, para cada 100 homens brancos com idade acima de 14 anos há 166 homens negros com chance de morte por homicídio; para cada 100 jovens branco/as com idade entre 15 e 17 anos existem 139 jovens negro/as com chance de estarem fora da escola; 64% dos negro/as acreditam que não tem seus direitos respeitados; 71% acham que os serviços de saúde não atendem adequadamente às suas necessidades. (acesse o relatório)

Os exemplos demonstrados nos indicadores do Incid param por aí, pois não foram produzidas outras informações com recorte racial. Algo me diz que a lista seria bem maior se tivéssemos ousado fazer isso. Quem duvida?

As informações apresentadas acima demonstram que direitos garantidos não são necessariamente direitos efetivos. Pensado dentro da perspectiva formulada por Nancy Fraser¹, reconhecimento tem a ver com justiça social. Nesse sentido, o não reconhecimento envolve depreciação da identidade tanto quanto privação do grupo de uma participação mais igualitária na vida social, significa subordinação. Para reconhecer os direitos dos negros e negras em nosso país é preciso superar os mecanismos de subordinação social.  É necessário que as diferenças e a diversidade sejam reconhecidas ao mesmo tempo em que as grandes disparidades sócio-econômicas sejam de fato abolidas.

 

¹ FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Lua Nova, São Paulo, 2007.