Incid terá novo indicador

Parque das Flores é um condomínio no distrito de Conselheiro, em Nova Friburgo, de quatro ruas apenas, com uma parte com pequenos prédios de alvenaria e outro setor de casas de 45 metros quadrados, todas rigorosamente iguais, feitas de PVC. Nas imediações, apenas uma linha de ônibus circulante a cada uma hora e meia mais ou menos. Não há posto médico por perto, a única escola municipal já está superlotada. Pois foi para este local que D. Suely da Fonseca, 57 anos, foi levada com o marido e dois filhos pequenos depois que perdeu sua casa numa comunidade próxima ao centro de Friburgo, na tragédia da chuva de 2011.

Como ela, centenas de pessoas desabrigadas pela tragédia naquele ano se viram sem moradia de uma hora para outra e tendo que recomeçar a vida em um local distante de onde moravam, do trabalho, e, na maioria das vezes, sem infraestrutura também. Outros tantos ainda estão em abrigos, casas de amigos à espera de uma casa.

Na segunda etapa do projeto Incid – Indicadores de Cidadania, sistema criado pelo Ibase com apoio da Petrobras para aferir o grau de cidadania em 14 municípios do Leste Fluminense, que começou este ano, a equipe de pesquisadores, que já desenvolveu mais de 60 indicadores sociais para a região, irá se debruçar sobre a questão da habitação. Eles irão construir indicadores que mostrem a violação de direitos no setor de habitação, direito básico assegurado pela Constituição brasileira e sistematicamente violado neste país.

– Antigamente eu tinha um endereço. Uma casa que construí da forma que eu queria, não tão distante do meu trabalho e com algum comércio próximo. Aqui não tem nada. Se eu ficar doente o posto de saúde é bem distante – diz D. Suely, que foi nascida e criada em Nova Friburgo e teve vários familiares mortos na tragédia.

O fato de D. Suely ter conseguido uma moradia não quer dizer que seja uma moradia adequada. No seu entorno falta, como ela mesmo apontou, serviços básicos de educação e saúde. Questões como esta, que indicam uma violação desses direitos pela dificuldade de acesso à escolas e postos de saúde, a pesquisa do Incid pretende apontar com a construção do novo indicador Habitação.

Teresópolis e Nova Friburgo, dois municípios castigados com a chuvas de 2011, serão alvo da pesquisa junto com outros 12 municípios do Leste Fluminense, todos já estudados na primeira etapa do projeto Incid. Três anos após as chuvas, a situação ainda é crítica nos dois territórios, até porque não há dados disponíveis e ous que existem não são legitimados pela população.

Judas Tadeu é presidente da Associação de Moradores do Vale da Revolta, área devastada pela chuva, e diz que lá há cerca de 2.300 pessoas morando em péssimas condições, inclusive em áreas de risco.

– Segundo os dados oficiais (do IBGE) existem 1.200 pessoas no Vale da Revolta. Nossa associação fez esta contagem e chegou a mais de duas mil. Numa realidade dessas, com povo sofrido, em péssimas condições emocionais e de vida, a contagem tem que ser feita um a um, como fizemos – diz Tadeu.

Dados do estudo Plano de Habitação e Interesse Social de Teresópolis, feito pela empresa Urbes a pedido da prefeitura do município, um pouco antes das chuvas de 2011, diz que o déficit habitacional no município era, em 2010, de 2.552 pessoas. Morando em locais considerados inadequados, 25.398 pessoas, sendo 19.446 em lugares com carência de infraestrutura e 5.932 com deficiência de infraestrutura. Depois de 12 de janeiro, data da tragédia, o número de desabrigados, segundo o documento, era de 11.268.

Na Conclusão, o Plano, que foi bem questionado pelos moradores do município nas Rodas de Diálogos realizadas pela equipe do Incid como sendo apenas um ‘documento do governo para construir casas populares’, aponta que em Teresópolis “o déficit qualitativo é superior ao déficit quantitativo, sendo a dificuldade no acesso ao esgotamento sanitário e equipamentos públicos, seguido da inadequação fundiária e das condições precárias de habitabilidade seus componentes mais destacados no município”.

Ana Maria Gomes de Almeida, membro do Conselho da Cidade de Teresópolis e responsável pela gestão do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, fundo autônomo com recursos provenientes de 3% do orçamento municipal para, diz que as condições de moradia na cidade são bastante precárias ainda e há, dificuldade, também, de identificar com mais detalhes a qualidade de habitação. O Fundo, segundo ela, ainda não saiu do papel. Foi ativado em 2010, mas ainda está em fase de regularização do CNPJ, sem o qual não é possível o recebimento dos recursos.

– Aassistidos. Para além deles, há centenas de pessoas morando em locais precaríssimos aqui – contou Ana, que acredita que uma pesquisa mais qualitativa das condições de moradia, tal qual o Incid pode fazer, é importantíssima para entender com mais detalhes as necessidades.

Nas Rodas de Diálogo do Incid, a falta de informações e do acesso às informações, como por exemplo aos Planos Diretores e de Habitação que existem, ficou patente também, tanto em Teresópolis quando em Nova Friburgo.

– Os dados oficiais a que temos acesso em Teresópolis, por exemplo, fazem parecer que o município é uma Suiça. Qualquer dado a mais que o Incid possa produzir sobre habitação nos ajuda – disse Judas Tadeu em uma entrevista ao site G1.

Nova Friburgo – Se em Teresópolis e Petrópolis, dois municípios atingidos pela chuva de 2011 em que a sociedade se organizou para conseguir lutar por moradia digna para os desabrigados, falta de dados e de acesso aos que já existem na área de habitação é grande, em Nova Friburgo, onde, segundo Sandro Shottz, presidente da Associação de Moradores Corrego D´Antas, considerada a mais ativa na região desde as chuvas, a sensação é de que a tragédia já se faz longe, dados sobre condições de moradia e déficit de moradia são mais raros ainda.

– É difícil ter acesso a qualquer dado. A sensação é de que não há mesmo. Fundo de Habitação como o que está se organizando em Teresópolis não tenho conhecimento por aqui. Plano de Habitação também não. O Plano Diretor existe, mas ainda não vi. Sabemos, de circular pelo município, que tem muita gente morando de forma precária e em locais de risco. Mas ainda é difícil a sociedade civil ter acesso a dados oficiais sobre isso – disse Shottz.

No site da secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, uma notícia de março dá conta que o Plano Diretor será revisto e que audiências públicas estão em curso no município para fazer a revisão.

O que se tem de informação a respeito de moradia em Nova Friburgo disponível aparece em um site da Agenda 21 local:

“O levantamento concluído pela Prefeitura em novembro de 2010 relacionava 35 áreas de risco na cidade, com cerca de 6.000 moradores em aproximadamente 2.000 moradias. Mas a tromba d’água de 12 de janeiro deixou cerca de 5.000 desabrigados, criou novas áreas de risco e soterrou casas construídas em trechos indicados no levantamento, criando a necessidade de um novo mapeamento.”

Os indicadores de habitação a serem criados pelos pesquisadores do sistema Incid serão abordados sob quatro dimensões de cidadania: a Vivida, que é a situação de cidadania hoje no território aferida a partir de dados oficiais disponíveis; Garantida, se há politícas públicas (e quais) garantindo o direito à moradia; Percebida, como a população percebe como sujeito de direito à habitação; e Ativa, quais as organizações, ações e lutas estão organizadas nos territórios em relação ao tema.