Em defesa da Paz e por mais Direitos

 

CARTA PÚBLICA

O Morro do Preventório se formou no entorno de dois equipamentos públicos: o Preventório Paulo Cândido e o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Os primeiros moradores eram trabalhadores destes equipamentos, pescadores e retirantes. O Preventório sempre foi uma comunidade tranquila. Muitos equipamentos públicos foram construídos ao longo de décadas na comunidade: três escolas, uma creche, unidade do Corpo de Bombeiros, dois módulos do Médico de Família, delegacia, quadra poliesportiva, centro comunitário e uma unidade do batalhão móvel (que funcionou até o mês de agosto do corrente). Recebemos, há 06 (seis) anos, um investimento de 22 milhões do PAC, que permitiu a construção de 248 apartamentos para a comunidade, além de ações de saneamento e de contenção de encosta. Tudo isso só foi possível, em grande medida, graças à mobilização, à organização e à capacidade de luta social da população do Preventório. Diante de tantos investimentos do poder público e de sua ótima localização, num bairro litorâneo da zona sul, com transporte para todas as regiões da cidade e para o Rio de Janeiro, a comunidade do Preventório tornou-se a maior concentração de famílias de origem popular da cidade de Niterói, contando hoje com mais de 12 (doze) mil moradores.

Em contraste com esse quadro, o dia primeiro de setembro de 2015 tornou-se um dia triste, que entra para a história da comunidade do Preventório. Nesta data, aconteceu nossa maior manifestação, fruto da mobilização da comunidade em defesa do jovem Felipe Oliveira Pina (25 anos) e de todas as vidas da comunidade. O jovem Felipe foi alvejado gravemente por três tiros, durante uma operação policial na comunidade. Felipe, um jovem trabalhador, estava de licença médica, pois sofrera um acidente e andava de muletas. Segundo relatos de moradores, os policiais confundiram suas muletas com uma arma de fogo e, por essa confusão, foi baleado: mais uma vez, numa comunidade popular, a polícia atirou primeiro e perguntou depois. Além de Felipe, outras duas pessoas da comunidade foram também baleadas, de raspão, por projéteis. Os moradores que estavam no local disseram que a polícia chegou atirando, mesmo não havendo nenhuma resistência. O comércio local foi alvejado por balas numa controvertida operação, cuja autorização não foi confirmada: quatro policiais chegaram, repentinamente, abrindo fogo contra a comunidade. Não poderia acontecer outra coisa. Crônica de um problema tantas vezes anunciado e repetido. Corre-corre, confusão, pavor, balas “perdidas”, inocentes agredidos e até baleados. Além disso, esse tumulto aconteceu entre 18h e 19h, horário em que os trabalhadores e estudantes estavam passando pelas ruas da comunidade: fim de expediente, fim do turno da tarde nas escolas, início do turno da noite nas escolas. Como o jovem Felipe é reconhecido pela comunidade como uma pessoa “certa” e querida, as pessoas se revoltaram e fecharam a rua da praia (Av. Silvio Picanço). Quando novamente a polícia retornou para liberar a pista, houve mais confrontos, muitos tiros com balas de borracha; jovens que estavam na manifestação apanharam da polícia, o que gerou ainda mais revolta. Três ônibus foram incendiados. Felipe foi socorrido com vida, porém passou por uma cirurgia e ainda não se sabe como ficará daqui pra frente. O conflito se estendeu até 23 horas. Em depoimento à Rede Record de Televisão, o Coronel Salema, Comandante do 12º Batalhão da Polícia Militar de Niterói, responsável pelo policiamento da região, reconheceu que Felipe não era envolvido com o tráfico de drogas no Preventório. Mesmo que fosse, afirmamos neste libelo que o papel da polícia não é matar bandido! Seu papel é prender suspeitos ou delinquentes em flagrante para averiguação e investigação, garantindo a segurança e a integridade da coletividade.

Nesse sentido, queremos afirmar nosso posicionamento pelo fim dos autos de resistência e a aprovação do Projeto de Lei 4471/12, que torna mais firmes as regras para apuração de mortes e lesões corporais decorrentes da ação de agentes públicos, buscando conter a violência policial no Brasil. Atualmente, os casos de mortes nas favelas são registrados pela polícia como autos de resistência ou resistência seguida de morte – mas não são devidamente investigados! Esta medida administrativa, criada no período da ditadura militar para legitimar a repressão policial da época, segue sendo empregada até hoje para encobrir crimes cometidos por agentes públicos. Além disso, somos contra a ação de agentes públicos de segurança que entram nas casas dos moradores sem mandado: mas não fazem isso em bairros ricos ou de classe média alta, apenas nas periferias, nas favelas, enfim, em áreas populares.

No dia 02 de setembro do corrente, dia seguinte da desastrosa operação no Preventório, todas as organizações e lideranças comunitárias e inúmeros moradores reuniram-se para discutir a situação e tomar decisões. Refletimos e concluímos que existe uma “falsa guerra às drogas”, como se todo o problema do tráfico de drogas se resumisse ao que ocorre na favela. Isso é um reducionismo hipócrita! Os consumidores burgueses e de classe média, os grandes traficantes, os verdadeiros barões do tráfico não estão na favela! Mas a favela é a única criminalizada. Estão jogando a culpa em nós, porque somos pobres. É mais um capítulo da recorrente novela que associa preconceituosamente pobreza e criminalidade! Nesta “falsa guerra às drogas” todos perdem, pois as vítimas são varejistas de drogas (criminosos, portanto), moradores e policiais.
Sofremos também o reflexo das falhas da política estadual de segurança pública implantada na capital, cujo eixo é a chamada pacificação de territórios por meio da implantação de UPP. A migração de gangues do tráfico do município do Rio para outras cidades e regiões do estado do RJ; inúmeras operações policiais mal planejadas que atingem e até matam famílias, trabalhadores e crianças; interrupções constantes na prestação dos serviços públicos (escolas, postos de saúde, etc.); o verdadeiro extermínio da juventude pobre e negra; moradores vendendo suas casas a qualquer preço; comércio fechado e serviços públicos fechados ou precarizados (por exemplo, servidores públicos não querem mais trabalhar na Preventório): graves problemas econômicos, sociais e humanitários decorrentes, direta ou indiretamente, da política de segurança praticada no estado do Rio de Janeiro desde 2007.
Decidimos fazer novas manifestações. Não vamos nos dispersar. Vamos exigir que as comunidades sejam tratadas com respeito pelas forças de segurança. Rigor e dureza com os bandidos, mas não com os trabalhadores! Não vamos mais aceitar que qualquer policial chegue aqui na comunidade e faça arbitrariamente o que bem entender. Não aceitaremos mais que a polícia entre aqui, fazendo operações não autorizadas, atirando a esmo, como se fôssemos presas a serem caçadas. Vamos lutar pela paz na comunidade! A ação policial não pode interromper as políticas sociais na comunidade, como frequentemente acontece! A polícia deve utilizar a inteligência, e não ser brutal e despreparada, tornando-se, ela mesma, um algoz e um problema para a comunidade.
A comunidade do Preventório está preocupada com o aumento da violência. Por isso, queremos que o estado do RJ ofereça mais oportunidades, principalmente para jovens e adolescentes. Não temos nenhum projeto de esporte, cultura ou formação profissional financiado pelo governo estadual no Preventório. No passado, tivemos projetos exitosos do governo estadual, como Mulheres Pela Paz, Jovens Pela Paz, entre outros. Mas passaram. Queremos políticas permanentes, duradouras, de Estado! Queremos, enfim, que as famílias vítimas da violência dos agentes públicos que representam o estado do RJ tenham seus direitos garantidos: afinal, como vai ficar a vida do Felipe depois dessa tragédia?
Estamos declarando aqui que lutaremos para que as comunidades populares de Niterói, e não apenas o Preventório, tenham seus direitos respeitados e ampliados! Lutaremos também para que o poder público atenda nossas reivindicações. E resistiremos à violência praticada pelo poder público nas suas diversas manifestações.
Por isso, concluímos, convidando o Governador do Estado e o Secretário Estadual de Segurança, demais autoridades e a sociedade para uma Assembleia Popular em Defesa da Paz e por Mais Direitos, que será realizada no próximo dia 16 de setembro, às 18 horas, na quadra poliesportiva da comunidade do Preventório, sito à Av. Carlos Ermerlindo Marins, s/nº, ao lado do restaurante Cantinho da Pedra.

Preventório, Niterói-RJ.

Comunidade do Morro do Preventório