Sobre processo de remoção no Santa Marta
Itamar Silva, direitor do Ibase
do canal Ibase
No dia 25 de julho último, moradores que vivem na parte mais alta da favela de Santa Marta, conhecida por Pico do Morro, se reuniram para ouvir a apresentação do contra-laudo, produzido pelo engenheiro Maurício Campos dos Santos, sobre as condições físicas/geológicas do local onde vivem.
Em luta há mais de dois anos os moradores, em sua maioria, querem permanecer no local onde nasceram e resistiram aos momentos mais duros da favela. O local é uma das vistas mais bonitas do Rio de Janeiro e, hoje, um lugar privilegiado dentro da favela de Santa Marta. Depois da instalação do Plano Inclinado que permite aos moradores chegarem em suas casas com compras, bicicletas e móveis, transportados pelo Bondinho. Depois do asfaltamento da rua Seabra Fagundes que permite o acesso à favela pelo lado de Laranjeiras. Depois da instalação da UPP no prédio que seria a Creche do Pico, a vida ali ficou muito mais fácil e por esse motivo os moradores não querem deixar suas casas para se mudarem para um apartamento de 37m² que o Estado quer oferecer neste momento.
O que o Estado está utilizando para retirar aproximadamente 150 moradores daquele lugar é a afirmação de que vivem em uma área de risco. Por isso necessariamente tem que sair dali. No entanto, os moradores contra-argumentam dizendo que: pelos critérios apresentados pelo técnico da GEORio que esteve na favela no início de julho, “todo Santa Marta é uma área de risco”. Então, se o perigo vem do alto do morro, ameaça a todos que estão abaixo, logo, algo terá que ser feito para evitar possíveis catástrofes. De uma forma ou de outra, o trabalho de contenção naquele local será feito. Os moradores também lembram que nos mais de 80 anos de existência da favela, naquela área nunca houve acidente com mortes, apesar do abandono histórico daquele pedaço do Morro. Os barracos que caíram foram pelas condições precárias: de madeira, de estuque, velhos. Os desabamentos que marcaram tristemente o Santa Marta, ocorridos em 66/67 e em 88 e que causaram várias mortes de moradores, ocorreram na mesma área: lixão. Neste local, foi feito uma boa obra de contenção o que permitiu, inclusive, ao próprio Estado construir um conjunto de prédios. Esse fato prova que não há área de risco no Santa Marta que não possa ser requalificada.
Alguns ainda dirão que é muito caro fazer obras de contenção no Santa Marta, por isso a opção é remover os moradores daquela área da favela. Este argumento carece de muito mais esclarecimentos. Primeiro porque não há um diagnóstico preciso do que deverá ser feito naquela área em termos de contenção. Pois muito já se investiu ali a partir de 88 (construção de canaletas preventivas e alguma contenção) é necessário complementar o trabalho iniciado. Também não fica claro qual o custo deste investimento? De quanto estamos falando? É necessário se ter conhecimento desses números para se comparar com a construção de um conjunto de prédios na lateral do Morro, em área nada fácil de se construir. Como também levar em consideração a opinião dos moradores na decisão de onde investir os recursos.
No momento em que o Santa Marta ganha visibilidade nacional e internacional como lugar onde a intervenção do poder público teve sucesso, assiste-se ao mesmo tempo uma preocupação maior em atender aos turistas do que aos moradores. A informação que circula na favela é que aquela área será transformada em um parque ecológico. Outra versão diz que o Eike, sempre ele, Batista, quer construir um hotel panorâmico no Pico do Santa Marta. Outras versões correm entre os moradores e nenhuma delas beneficia as pessoas que ali moram.
O Santa Marta se transformou em um bom lugar para se ganhar dinheiro com “eventos”. No entanto, há que se preservar o morro para os seus moradores. A luta do Pico é uma luta de todos os moradores do Santa Marta. O Santa Marta está entre um pequeno número de favelas do Rio de Janeiro que não expandiu seu território nos últimos 20 anos e manteve numericamente sua população. Como prêmio está ameaçado de ver seu território diminuir muito mais. Este pode ser somente um começo. Os moradores precisam resistir.
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