Tragédia expõe cisão da sociedade sul-africana
de Amandla
Uma tragédia brutal que nunca deveria ter acontecido
Nenhum evento, desde o fim do Apartheid, resume a superficialidade da transformação neste país como o massacre de Marikana. O que aconteceu será debatido por anos. Já está claro que os mineiros serão apontados como os culpados por terem sido violentos. Os mineiros serão retratados como selvagens. No entanto, o fato é que policiais fortemente armados com munições letais atiraram e mataram brutalmente mais de 35 mineiros. Muitos outros estão feridos. Alguns vão morrer por causa de seus ferimentos. Outros 10 trabalhadores já haviam sido mortos pouco antes deste massacre.
Esta não foi uma ação de policiais desonestos. Este massacre foi resultado de decisões tomadas no topo das estruturas policiais. A polícia prometeu responder com força e voltou armada com munição de verdade. Eles se comportaram do mesmo modo que a polícia do Apartheid ao enfrentar os levantes de Soweto, Sharpeville, em 1976, e os protestos de 1980, quando muitos foram mortos.
A resposta agressiva e violenta da polícia a protestos comunitários tem seu eco e reverberação neste massacre.
Ele representa uma mancha de sangue na nova África do Sul.
Ele representa um fracasso de liderança. É um fracasso da liderança do governo: de seus ministros do Trabalho e de Recursos Minerais, que se abstiveram durante todo esse episódio; do seu ministro da Segurança, que defende que essa não é uma questão política, mas sim uma mera disputa trabalhista e apoia a ação da polícia; uma falha do Presidente, que só emite discursos prontos diante da crise e não mobiliza o governo e seus enormes recursos para dar uma resposta imediata às preocupações dos mineiros e – agora – de seus familiares em luto.
O massacre é um fracasso e uma traição da gerência da mina de Lonmin, que se recusou a levar adiante esforços junto aos líderes sindicais para atender os trabalhadores e suas queixas. A gerência cambaleia entre concordar em negociar com os trabalhadores e renegar as negociações, afirmando que os trabalhadores têm um acordo de dois anos junto à União Nacional de Mineiros (NUM, National Union of Mineworkers).
Infelizmente, esse também é um fracasso das lideranças sindicais: Primeiramente, o NUM considera qualquer oposição à sua liderança como criminosa, e afirma que tal oposição deve ser necessariamente estabelecida pela Câmara de Minas. Isso obviamente não é verdade. É também um fracasso da liderança do Sindicato da Associação da Mineração e Construção (AMCU, Association of Mining and Construction Union), que age de forma oportunista em um esforço para recrutar membros descontentes da NUM, mobilizando trabalhadores por meio de demandas irrealistas e falhando em condenar a violência de seus membros.
O nível de violência em nossas minas demonstra as profundas divisões e a polarização da sociedade sul-africana. Mineiros são empregados em condições extremas de pobreza, muitas vezes vivendo na miséria, em acampamentos sem serviços básicos. Os mineiros são frequentemente empregados por meio de recrutadores que os deixam na informalidade, sem condições de trabalho decentes.
A “greve selvagem” (como outras greves semelhantes em minas) que desencadeou os eventos que levaram ao massacre é uma resposta à violência estrutural do sistema de mineração da África do Sul. No entanto, é também resposta para outra coisa, a qual ousamos não ignorar.
Donos de minas enriquecidos com a experiência de cooptação da Black Economic Empowerment [política que estimula a representatividade negra no setor econômico]veem a oportunidade de provocar uma cisão entre líderes sindicais razoáveis e trabalhadores. Eles seduzem os sindicatos com relações emocionais que os separam dos trabalhadores em geral. A raiva nas minas é profundamente atrelada à gestão das minas, que está progressivamente levando lideranças sindicais à conformidade e ao fracasso em defender e representar os interesses dos trabalhadores.
A alienação de sindicalistas e lideranças sindicais é um fator que está por trás do que aconteceu na Lonmin, e também do que está acontecendo em outras minas de platina.
Todavia, o massacre de mais de 35 mineiros é resultado da violência de Estado, especificamente da polícia. No mínimo, o ministro Mthethwa deve assumir a responsabilidade e renunciar.
Tradução: Mariana Werneck
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