A situação de Gramacho e a alternativa possível
do Canal Ibase
Em junho deste ano, foi fechado no estado do Rio de Janeiro o maior lixão da América Latina. O Lixão de Jardim Gramacho funcionava no município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, sem licença ambiental, o que permitia que quase dois mil catadores trabalhassem no local, selecionando, em meio ao lixo, o material que seria vendido a indústrias de reciclagem. Seis meses depois, o que aconteceu com os catadores de Jardim Gramacho? E com as indústrias? Para onde vão as 10 mil toneladas diárias de lixo que são produzidas no Rio?
Conversamos, na Plataforma Ibase, com Maria Rosinete, vice-presidente da Coop Jardim e representante do Movimento Nacional dos Catadores, moradora de Jardim Gramacho e ex-catadora do Lixão. Segundo Nete, como prefere ser chamada, na ocasião do fechamento, parte dos trabalhadores defendia a proposta de que, ao invés de indenizações, o Estado pagasse os catadores com investimentos nas cooperativas para gerar trabalho e renda. “A gente tinha um projeto de construção do polo de reciclagem, de conscientização ambiental, por isso defendíamos o investimento”, explica a ex-catadora. A maior parte, no entanto, optou pelas indenizações, que já foram pagas a 1.706 catadores. Alexandre Gordin, também do movimento, afirma que a maioria deles está, hoje, desempregada. “Alguns fizeram cursos de formação pela Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica) em outras profissões como pedreiro, encanador, mas não conseguiram entrar no mercado de trabalho”, afirmou.
Em Caxias, um projeto da refinaria da cidade (Reduc), do BNDES, da Fundação Banco do Brasil e da Petrobras prometeu comprar seis galpões que seriam administrados por cinco cooperativas de catadores e uma associação. Nesses galpões, funcionariam centros de triagem onde os catadores poderiam trabalhar. Muitos estão com esta perspectiva, de acordo com Gordin, mas nenhum galpão foi ainda comprado, apesar do prazo prometido já estar vencido. “Vai sair pro ano que vem”, responde Alexandre, esperançoso.
O destino e a alternativa para o tratamento dos resíduos
Todo o lixo que costumava ir para Jardim Gramacho hoje termina embaixo da terra. Isso porque eles têm sido destinados a centrais de tratamento que possuem licença ambiental e, por isso, não é permitido que nenhum catador trabalhe lá, e o lixo, mesmo reciclável, é todo enterrado. Essas centrais ficam nos municípios de Seropédica, Nova Iguaçu e Paracambi. De acordo com a Lei nº 12.305, que instituiu em 2010 a Política Nacional de Resíduos Sólidos, isso não poderia ser feito, já que não é uma destinação “ambientalmente adequada” para o resíduo reutilizável ou reciclável. Em outras palavras, tudo aquilo que pode ser reutilizado ou reciclado não pode, legalmente, ser enterrado. “O governo está cometendo um crime grave do ponto de vista social e ambiental”, afirma Nete.
O lixo deveria, segundo Elen Pacheco, professora da UFRJ e coordenadora do Núcleo de Excelência em Reciclagem e Desenvolvimento Sustentável (Nerdes), no mínimo, ser separado antes de ser encaminhado às centrais. O ciclo ideal do lixo é aquele que, segundo a professora, se inicia com a separação do lixo em casa, a coleta seletiva, passando por centros de triagem, onde catadores trabalhariam na separação dos materiais por tipo e, assim, encaminhariam para indústrias de reciclagem adequadas para aquele tipo de material. Nem todo papelão é igual, por exemplo, e os catadores podem ter uma eficiência grande na identificação e separação dessa matéria-prima. “Trabalhamos aqui no laboratório com uma ex-catadora e ela tem aproveitamento de 100% na identificação dos tipos de material, melhor do que a máquina que utilizamos para fazer o mesmo trabalho. Nós estamos desperdiçando um grande potencial. Todo mundo desempregado lá e com um grande potencial para trabalhar”, lamenta a professora.
Para o pesquisador da Rede de Informação e Pesquisa em Resíduos (Riper), Antonio Oscar, é fundamental que a política de tratamento de resíduos seja feita em conciliação com o interesse dos catadores, ou seja, tendo em vista a inclusão social. De certa forma, isso tem sido feito, ao menos em teoria. O BNDES, de acordo com uma diretriz do governo federal, tem um plano com a Comlurb de investimento de R$24 milhões para a compra e construção de seis galpões na cidade do Rio de Janeiro. Esses galpões também funcionariam como centros de triagem para os catadores. Esse projeto inclui outras cidades que receberão jogos da Copa em 2014.
O problema, para a professora Elen, é que os catadores e as indústrias não podem esperar até 2014. “O que tenho percebido é que, se por um lado os catadores estão desempregados, por outro, as empresas estão fechando por falta de matéria-prima”, explica. A professora lembra também que a reciclagem deveria ser a última opção de destino para o lixo. “Você já olhou sua lata de lixo com cuidado?”, ela me desafia. “Já viu quantas embalagens você joga fora por dia? Será que isso tudo é necessário? É necessário a gente comprar cinquenta calças jeans? Isso tudo gera resíduo. Nossa sociedade consome muito e, se consome, gera resíduo, não tem como sumir com a matéria. Nós temos que mudar”. Ela indica, então, que o caminho ideal passaria, primeiro, pela redução do consumo, depois pela reutilização dos produtos e, só depois, pela reciclagem.
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