Eleições 2012: o que não está em pauta
do Canal IBase
A apenas alguns dias de elegermos candidatos a prefeito(a) e vereador(a) para a cidade do Rio de Janeiro, o Canal Ibase conversou com especialistas da instituição para saber: o que não está em pauta nessas eleições? Elegemos três temas para guiar essa análise: emancipação social, democratização do acesso às informações públicas e economia solidária. Além de estarem entre os principais temas de atuação da instituição, são de importância fundamental no debate do Rio de Janeiro que queremos construir, não como cidade ideal para realização de eventos internacionais, mas para a qualidade de vida de seus moradores.
A emancipação social é um campo em que muitos temas deveriam estar sendo debatidos no âmbito da eleição do próximo prefeito(a). No entanto, para Itamar Silva, o debate sequer está aberto e as questões, portanto, não são colocadas. Um projeto majoritário de cidade é colocado como unânime e a menor tentativa de questioná-lo é tida como radical. Tampouco é pautada, nestas eleições, o tema da democratização do acesso às informações públicas. Pelo contrário, para Maria Elena Rodriguez, os candidatos tendem a fugir do assunto. Por outro lado, a Economia Solidária, muito pelo espaço que tem conquistado, ao longo dos anos, no campo público, está nos planos dos dois principais candidatos à Prefeitura. Mas, para Nahyda Franca, é preciso também cobrar ações do Poder Legislativo.
Emancipação Social
Está faltando uma coisa nessas eleições: política. É o que acha Itamar Silva, diretor do Ibase e morador do Santa Marta, favela que está na lista das comunidades sob risco de sofrer remoções na cidade do Rio de Janeiro. Para Itamar, os temas principais que precisavam estar pautados, quando se fala em emancipação social, não têm espaço na agenda, porque qualquer posicionamento que soe à crítica é tomado como radical e não têm resposta do candidato majoritário. “Aqueles que tentam o debate são acusados de não ver os benefícios que a cidade está recebendo. É uma visão plastificada, de uma cidade idealizada, como se todos os investimentos que estão chegando estivessem construindo um bem estar geral. Isso não é verdade”.
Itamar alerta que os investimentos que chegam na cidade são objeto de disputa, beneficia uns e não outros. Se não é permitido o debate, não é permitido à população sequer opinar – “ser a favor ou contra” – sobre as transformações previstas. “Há uma idealização de que a cidade vive seu melhor momento”, afirma.
O diretor também acredita que isso ocorre muito porque a candidatura do atual prefeito (Eduardo Paes – PMDB) está “encapsulada”, “blindada” por um conjunto de forças em que a contra força é muito pequena. A oposição pela direita é muito pouco carismática e, pela esquerda, a candidatura de Marcelo Freixo (PSOL) conseguiu crescer e ganhar capilaridade nas redes sociais, mas o debate que se dá neste âmbito não consegue romper as barreiras do virtual.
Para que essa situação se invertesse, só mesmo se houvesse vontade da população. “Falta vontade da própria população. Eu sinto a população meio plasmada com essa situação, aceitando simplesmente. Há um peso midiático muito grande em torno disso, infelizmente a população do Rio se move muito ainda influenciada pelas informações da grande mídia, que não mobiliza”. Os candidatos, para Itamar, deveriam considerar mais a sociedade civil organizada. Nenhum deles, na opinião do diretor, chamou para o debate os sujeitos coletivos e estes não souberam se fazer presentes.
Democratização do acesso às informações públicas
Em maio deste ano os brasileiros ganharam um importante instrumento de acesso à informação pública. É a Lei nº 12.527, ou Lei de Acesso à Informação. O objetivo era que, com a lei, ficasse mais fácil saber exatamente por onde anda o dinheiro público, como ele é gasto, por exemplo. A importância deste instrumento na ampliação da cidadania é indiscutível: qualquer cidadão, dotado de seu número de identidade (RG), pode requerer de órgãos públicos informações que também lhe dizem respeito, afinal, quem paga as contas do Estado é a população.
A transparência do Estado, no entanto, está longe da pauta dos candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo a pesquisadora do Ibase e professora da PUC-Rio Maria Elena Rodriguez. “Mesmo os mais democráticos, os de esquerda, não falam deste assunto. Pelo contrário, parecem fugir dele”, afirma. Para a professora, a aprovação da lei foi só um passo, mas o necessário mesmo é que haja uma mudança cultural, pois o Brasil não tem a cultura do acesso e da democratização. Neste caso, a população não está habituada a exigir a transparência, requerendo os dados. Esta mudança, para Maria Elena, é complexa e pode durar gerações. “O ideal seria apressar esse processo e isso que a gente tenta fazer: provocar essa necessidade nas pessoas. É uma pena que nenhum candidato apresente isso como pauta, poderia ser uma maneira de se mostrarem mais próximos à população”.
O Brasil já faz parte de uma plataforma internacional de transparência, da qual participam também países como Estados Unidos e África do Sul. Mas por aqui a coisa ficou muito no âmbito institucional. O acesso aos dados ainda é negado sistematicamente por “questões de segurança” que, segundo a pesquisadora, “ninguém sabe do que se trata”. “Existe um medo do que as pessoas vão fazer com esses dados e um pensamento de que a população não é capaz de compreendê-los”.
Maria Elena reconhece que, em época de eleições, nosso costume é cobrar por políticas públicas mais imediatistas. Por isso é preciso compreender a importância da política de acesso à informação para a garantia de que as promessas serão cumpridas. É a cultura do controle social, nada mais do que a ampliação da cidadania. “Estamos habituados com o jogo político: o candidato faz promessas que ele sabe que não vai cumprir, e a população finge que acredita, mas também sabe que as promessas não serão cumpridas. Somente formando plataformas coletivas de controle é que podemos mudar essa situação. Enquanto não sair do nível individual e de pequenos grupos, não fará diferença real na cultura”, conclui.
Economia Solidária
Em janeiro de 2009, foi inaugurada no Rio a Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário (SEDES). Foi a primeira secretaria municipal no país a se dedicar especialmente ao tema da Economia Solidária. Antes, no âmbito nacional, ganhamos a SENAES, em 2003. Essas iniciativas por parte do poder público são pouco causa pouco consequência da enorme expansão deste modelo de organização econômica que vai em sentido oposto ao modelo hegemônico: na Economia Solidária, a colaboração ocupa o lugar da competição e a responsabilidade socioambiental é uma prioridade.
É inevitável, para Nahyda Franca, coordenadora do Ibase e mestre em Educação pela PUC-Rio, que o tema ganhe espaço no debate público. Recentemente, no encontro da ONU para discutir meio ambiente, a Rio +20, muitas alternativas ao atual modelo de desenvolvimento foram apontadas, especialmente no campo da Economia Solidária. Por isso mesmo, é estranho que o tema tenha ainda tão pouca visibilidade. A Economia Solidária está nos planos dos dois candidatos que assumem a liderança na disputa pela Prefeitura, mas ainda é pouco discutida. “Não é possível afirmar que a criação da SEDES não foi um avanço. Mas o orçamento ainda é pequeno para consolidar os grupos. É preciso avançar muito”, afirma a pedagoga.
É preciso também, acredita Nahyda, ficar de olho nas propostas dos candidatos àAssembleia Legislativa, pois leis de incentivo seriam muito bem vindas para os empreendimentos econômico solidários, que ainda contam com leis de regulação inapropriadas. A legislação que rege a organização comercial de grupos ainda é a de cooperativas (Lei nº 5.764), que exige a formação de grupos grandes demais (no mínimo vinte pessoas físicas) e que ainda têm de pagar impostos muito pesados para grupos que ainda estão começando. “A flexibilização desta legislação é uma demanda dos fóruns de Economia Solidária e pode ser cobrada dos candidatos à Assembleia e Prefeitura”.
Para Nahyda, os dois principais pontos que precisam ser pautados, no âmbito da Economia Solidária, são as questões da comercialização e condições de funcionamento dos empreendimentos. Muitos encontram na comercialização dos produtos um entrave e outros sequer têm um espaço físico onde organizar sua produção. “Deve ser também cobrado o incentivo para que os órgãos públicos, ou mesmo as empresas, possam adquirir produtos de empreendimentos econômico solidários, como já é feito a nível nacional com alimentos produzidos pela agricultura familiar – 30% da merenda escolar deve ser comprada de agricultores familiares. Isso é um exemplo de que é factível para outro tipo de coisa, não precisa ser só alimento”, defende.
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