Déficit Habitacional é um dos grandes conflitos do território
Na última semana (15) o Movimento Nacional da Luta Pela Moradia esteve à frente da “Jornada de luta pela Função Social da Propriedade e da Cidade, em defesa do Direito a Moradia (RJ)”, onde integrantes de movimentos sociais e grupos em defesa por moradia digna ocuparam as escadarias da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, reivindicando uma política habitacional de interesse social que garanta a universalização dos direitos sociais. Esse ato reacende a discussão a respeito do Direito à Moradia Digna – direito fundamental do ser humano.
Segundo Jacques Távora Alfonsin, advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “é função social do Estado garantir moradia digna aos cidadãos, um direito fundamental expresso no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos – de 1948, que garante que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação“. O Poder Público tem a obrigação de promover as condições necessárias e estabelecer políticas públicas para fazer efetivar esse direito, que não pode continuar sendo violado. Sem moradia, o cidadão não tem atendida a sua dignidade enquanto ser humano”. Mesmo assim, ainda existem brasileiras e brasileiros sem acesso a uma moradia adequada e a uma vida digna. Ainda é significativo o número de residências onde é escassa a água, luz, saneamento básico, segurança, etc.
E foi para avaliar a efetividade desse direito de cidadania que o Incid produziu dois novos indicadores, que fazem parte dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais. São eles, o ‘Direito à Moradia: Situação da Moradia Digna’, que demonstra, na Área de Atuação do Incid (AAI), a parcela da população que se encontra em condições inadequadas de habitação. Já o indicador ‘Direito à Moradia: Garantia de Planejamento da Moradia Digna’ visa analisar o esforço do poder público para reduzir essa parcela, através do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – destinado à compra, melhoria e reforma da casa própria; aquisição de material de construção, recuperação de imóveis em áreas encortiçadas, urbanização, equipamentos comunitários e regularização fundiária, entre outros.
O que é Moradia Digna?
Para se compreender esse indicador, é importante definir alguns parâmetros sobre o conceito. O Direito a morar com dignidade se refere às condições básicas de manutenção e reprodução de vida. A moradia digna é aquela cuja localização permita o acesso a ofertas de emprego, desenvolvimento econômico, cultural e social, aos serviços de educação como escolas e creches, atendimentos de saúde, comércio, áreas de lazer e esporte; deve ser atendida por serviços públicos de infraestrutura e equipamentos, como por exemplo, água, saneamento básico, gás, transporte e coleta de lixo. Morar com dignidade significa morar sem ameaças indevidas ou inesperadas e sem medo de ser removido a qualquer momento. Ela deve ser de custo acessível para aquisição ou aluguel que não comprometa o orçamento familiar de forma que outros direito humanos possam ser garantidos, como alimentação, lazer, entre outros. Deve expressar também as dimensões culturais de seus moradores e moradoras quanto a sua forma de construção e os materiais que a compõe, mantendo a identidade e a diversidade cultual. Além de possuir um tamanho proporcional ao número de moradores e moradoras nela, com quartos e banheiros e espaço adequado para armazenar e cozinhar alimentos e lavar roupas. Deve possuir boas condições de proteção contra frio, calor, chuva, umidade, deve estar livre de riscos de incêndio, desmoronamento, inundações e qualquer outro evento ou fator que mantenham a vida de seus moradores e moradoras em risco.
O indicador Direito à Moradia: Situação da Moradia Digna foi construído a partir do Déficit Habitacional Municipal no Brasil, de 2010, realizado pela Fundação João Pinheiro (FJP) em parceria com o Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), através do Programa Habitar/Brasil/BID. Ele representa as informações mais recentes sobre as necessidades habitacionais no Brasil e é a base de apoio utilizada para desenvolvimento de políticas públicas habitacionais dos órgãos competentes. O Déficit Habitacional compreende as bases de dados de pesquisas domiciliares produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e utiliza os dados do Censo Demográfico e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
“Esse é um indicador que chama atenção para o fato de que morar com dignidade é muito mais do que, simplesmente, ter um abrigo. É ter uma situação de segurança mínima, é um outro sentido, que vai além de habitar”, observou a pesquisadora do Incid, Renata Feno.
A partir desse Indicador é possível observar que há violações graves de direitos fundamentais à vida humana em todos os municípios da AAI. Levando em consideração a divisão do número do déficit habitacional pelo total de domicílios, os municípios que possuem uma maior porcentagem de domicílios em condições inadequadas são Casimiro de Abreu (11,6%), Rio Bonito (10%), São Gonçalo (9,9%), Nova Friburgo (9,8%) e Teresópolis (9,3%). Essas porcentagens representam 1.336 domicílios em Casimiro de Abreu, 1.713 em Rio Bonito, 32.195 em São Gonçalo, 6.249 em Nova Friburgo e 4.977 domicílios em Teresópolis que não pode ser considerados moradias dignas.
Baixos salários, desemprego, especulação imobiliária, o alto custo dos imóveis e elevação dos preços dos aluguéis, somados a má distribuição de renda da população, são igualmente responsáveis pela crise da moradia. O “Déficit Habitacional Total para domicílios com rendimento 0-3 salários mínimos”, demonstra que as políticas públicas voltadas para atender as necessidades da população que vive com renda de até três salários mínimos são as mais urgentes, dependendo de fato de uma atenção maior do Estado na garantia desse direito.
Cidadania Ativa
Em São Gonçalo, por exemplo, um dos graves problemas do município refere-se a seu déficit habitacional que, segundo o levantamento, chega a 32mil unidades. O município, com cerca de 1 milhão de habitantes, é marcado pelo baixo investimento em políticas públicas e serviços essenciais. Devido a isso, a Cidadania Ativa nesse município tem se organizado em prol da luta por esse direito. Em Outubro de 2014, cerca de 200 de famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparam uma área abandonada, próximo ao bairro do Jardim Catarina. Muitas das famílias chegavam a dividir um quarto e sala com mais de 20 parentes, sem contar aquelas que viviam em áreas de risco. Além da luta imediata pelo direito a moradia digna, o movimento, nomeado de Zumbi dos Palmares, também reivindicava condições dignas na saúde, educação, transporte, emprego e cultura para os trabalhadores. Como conquista dessa ação de cidadania, foi firmado um acordo entre Prefeitura, Secretaria da Presidência e MTST para a construção de 1000 unidades habitacionais via Minha Casa Minha Vida Entidades, num terreno a ser indicado pela prefeitura e adquirido pelo Governo Federal.
Garantia de Planejamento
Embora a proteção dos interesses assuma lugar no topo do ordenamento jurídico nacional, a realidade fática dos dados revela que estamos muito longe de assegurar condições de moradia adequadas à vida humana, com serviços básicos essenciais ao bem-estar físico, psicológico e social. Vale aduzir que a habitação digna é uma das prioridades que a União definiu para a realização de programas e políticas de desenvolvimento urbano.
Inúmeras são as legislações que apontam para esse fato, mas a que é tratada especialmente na produção do Indicador de Garantia de Planejamento da Moradia Digna é a que se refere à implementação da nova Política Nacional de Habitação (PNH) prevista na Lei 11.124/05, relacionada ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e ao Plano Nacional de Habitação (PlanHab), coordenado e elaborado pela Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades.
Esse plano prevê um pacto nacional, cujo objetivo é universalizar o acesso à moradia digna para todas e todos. Ele é parte de um processo de planejamento de longo prazo para o setor habitacional, que pressupõe revisões periódicas e articulação com outros instrumentos de planejamento orçamentário-financeiro do Governo Federal. Essa mesma Lei instituiu o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), cujo objetivo é a implementação de ações que promovam o acesso à moradia digna para a população de baixa renda, que compõe a quase totalidade do déficit habitacional do País, que hoje chega a aproximadamente sete milhões.
Segundo o Indicador, apenas quatro dos 14 municípios da AAI estão aptos a receberem os recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). São eles, Niterói, Rio Bonito, Saquarema e Silva Jardim. Sendo Nova Friburgo o único que ainda não entregou o seu Plano Habitacional à Caixa Econômica Federal (dados da última análise disponibilizada pelo Ministério das Cidades, em 20/11/2014 – http://migre.me/pTEAs).
Ainda que o texto constitucional consagre a dignidade humana como princípio estruturante do sistema jurídico, ainda é pequeno o número de habitantes do território desfrutam do direito à vida segura e vivem em habitações dignas, segundo o Indicador.
“Se compararmos esses indicadores veremos que, apesar do grande déficit habitacional nos municípios, pequeno é o esforço do poder público municipal para garantir esse direito. É importante destacar que aqui temos um olhar que vai para além de se possuir um abrigo, estamos analisando também a estrutura do imóvel e, consequentemente, a qualidade de vida da população. É principalmente a população de baixa renda que sofre com a carência das políticas públicas e é esse o principal alvo do SNHIS, mas infelizmente dez dos municípios com os quais trabalhamos ainda não fazem parte dele”, disse Renata.
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