Incid avalia violações de direitos no mundo do trabalho
Desde 2006, quando foi lançada a pedra fundamental para construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a população das cidades vizinhas ao empreendimento da Petrobras ficou em polvorosa com a promessa dos 200 mil empregos a serem gerados pelo empreendimento, que está entre os maiores pólos petroquímicos do país. Quando as obras começaram, em 2010, Maurício* tinha acabado de se formar no Ensino Médio e já sabia que não poderia, imediatamente, ingressar em um curso universitário, pois precisaria trabalhar para ter uma renda. Aconselhado por um amigo, foi buscar um dos cursos profissionalizantes mais oferecidos na região, na ocasião: Técnico em Edificações. Um ano depois já estava formado e com o currículo nas mãos foi em busca de sua vaga na construção do Comperj. O ano era 2012 e o canteiro de obras estava a pleno vapor. Ele deixou o currículo em algumas agências de emprego que prestavam serviço selecionando trabalhadores para o empreendimento. Mas foi em vão. Ele não conseguiu a vaga.
Inicialmente o que pareceu uma oportunidade de geração de empregos para os moradores de municípios vizinhos ao empreendimento, se revelou uma fonte de frustração para muitos pela dificuldade de ingressar em um posto de trabalho. De acordo com Maurício, grande parte das pessoas que buscam trabalho nos municípios no entorno do Comperj se veem alijadas por conta sistema de ‘indicação’ adotado pelas empresas de engenharia que prestam serviços na obra do Complexo. Segundo ele, a indicação é restrita àqueles que podem pagar um ‘pedágio’, um percentual do primeiro salário para quem o indicar.
– Foi uma frustração. Percebi que quem conseguia trabalho eram os ‘indicados’ das firmas de engenharia ou de políticos. Eu não conhecia ninguém, então meu currículo não estava entre os escolhidos nunca – contou o rapaz, que meses depois foi selecionado para auxiliar de documentação em uma empresa, de onde foi dispensado onze meses depois.
Maurício, que nasceu e foi criado em Itaboraí, arrisca uma explicação: além de prevalecer a cultura do ‘quem indica’ na hora de selecionar os currículos, há poucos cursos técnicos públicos na região. Apesar de ser garantida pelo Estado, esta é uma oferta insuficiente. A cobertura é realizada pela rede privada na maioria das cidades, por isso não se pode considerar que há garantia da oferta de formação técnica e profissional para a população, como comprovou a equipe do projeto Incid na construção do Indicador “Direito ao trabalho: garantia de ensino técnico e profissional”. O indicador visa avaliar o esforço do poder público em garantir a formação profissional em uma região com demanda de especialização técnica e qualificação profissional.
Nos últimos seis meses, os/as pesquisadores/as levantaram, a partir de dados do Censo Escolar 2013, que dos 14 municípios de atuação do projeto Incid, em cinco (Casimiro de Abreu, Guapimirim, Silva Jardim, Maricá e Tanguá) não há oferta de ensino técnico de nível médio gratuito, sendo que entre esses, os três primeiros da lista não contam com escolas técnicas alguma. Entre os municípios restantes a situação não é diferente. Em Cachoeiras de Macacu, por exemplo, apenas uma escola da rede estadual de ensino oferece curso técnico em nível médio. Situação que se repete em Teresópolis e Saquarema. Outro dado dá conta que, à exceção de Rio Bonito, em todos os municípios onde há cursos profissionalizantes de nível médio, o número de escolas técnicas privadas é maior que o de escolas públicas.
Se somarmos o total de escolas técnicas em toda a área de atuação do Incid, há, de acordo com o Censo Escolar 2013, 71 escolas de nível médio que oferecem ensino técnico e profissionalizante, sendo que 49 são privadas e 22 públicas. Ou seja, os dados revelam que o número de estabelecimentos da rede privada é maior que o dobro do que é oferecido pelo estado, o que permite inferir que a garantia de oferta de ensino técnico profissional é insuficiente e por isso há expansão do mercado.
– A oferta de cursos técnicos está muito aquém do que os trabalhadores da região têm reivindicado. Não há garantia, mesmo com a crescente demanda provocada pela instalação do Comperj na área. – contou Bianca Arruda, pesquisadora do Incid.
Segundo Maurício o grande número de escolas técnicas particulares demonstra que se por um lado é um filão de negócios que se abre, por outro os cursos oferecidos não garantem a inserção digna no mercado de trabalho da maior parte da população desses municípios, que não podem pagar o valor de uma mensalidade de cursos particulares. Desta forma, é preciso organizar ainda mais as lutas já existentes na região para cobrar a ampliação de oferta de cursos profissionalizantes públicos que efetivamente atendam a demanda crescente dos postos de trabalho nos 14 municípios. Em pouco tempo, como constata Robson Aguiar, supervisor de campo do Incid, a aproximação do fim da obra de construção do Comperj e a ausência de políticas públicas que atuem na formação profissional dos milhares de trabalhadores envolvidos na criação da refinaria, evidenciam a falta de uma política de desenvolvimento local que tenha a valorização da vida a frente do valor do capital. A grande preocupação local é a de que Itaboraí não se torne uma nova Macaé, em referência às condições insalubres de moradia e da violência na cidade do Norte fluminense afetada pela indústria do petróleo.
Diante de um contexto tão complexo, o desafio também é gigante e requer que forças populares se organizem estabelecendo assim uma frente ampla dos movimentos sociais, partidos e entidades no fortalecimento do Direito ao trabalho.
*Nome fictício.
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